13.01.14
"Estava-se na primavera destes amigos tão chegados, ainda vinha longe o tempo da separação, o tempo em que cada um deles, pensando pela sua própria cabeça, resolveria dar caminho ao seu destino. E o destino tinha preparado um caminho para cada um, separado dos outros, seguiriam por ele até onde estavam marcados para o seguir e mais tarde, quem sabe, talvez voltassem a trilhar o mesmo rumo outra vez, ninguém sabia, ninguém adivinhava. As nuvens iam-se juntando sobre as suas cabeças mas estavam longe ainda. Havia tempo para gozar estas aventuras de menino e esta amizade que se esperava fosse eterna.
O dia ia correndo, a tarde a descair para a noite e a mangueira, mais uma vez, a ser testemunha muda de uma vizinhança feliz. Quantas vezes já assistira a estas festas, comemorações e outros eventos de cariz amistoso, perdia-lhes a conta, eram os exames da quarta classe, eram os aniversários e até a recuperação de Meia de Leite servia para festejar. Viviam felizes e festejavam essa felicidade de maneira alegre, convivendo uns com os outros. Assim se queriam os bons vizinhos, os amigos que sofriam com a dor dos outros que se uniam em torno das dificuldades de cada um para as tentar superar com essa união de onde, afinal, lhes vinha a força de combate diário a uma vida que nada tinha de facilidades.
As luzes acenderam-se na rua, no quintal ainda se apreciava o aparecimento da lua sobre as suas cabeças, acompanhando o seu desenvolvimento com mais umas trincadelas e uns golinhos à mistura. A conversa corria solta, de um lado os filhos, sempre motivo de agrado e orgulho e de conversa, com as suas diabruras e as vitórias alcançadas nos estudos para os quais muito pouco se esforçavam, diga-se em boa verdade, era o indispensável para não chumbar e chegava. Do outro lado o estado do país, a guerra que não acabava, as políticas implementadas, os receios com o futuro dos filhos.
Não me conformo com isto, anda um pai a criar um filho para depois o meterem sabe-se lá para onde, sujeito a ser trespassado por uma bala qualquer que lhe tire a vida, não têm o direito de dispor dos nossos filhos assim. Ainda se víssemos um fim a isto, dizia outro, valia o sacrifício, mas é que não se vê nada. Pois não, dizia o outro, isto nunca acabará porque é um cofre-forte para alguns, vêm aqui ganhar dinheiro como nunca ganharam e sempre à custa dos mesmos, se quisessem de verdade já isto tinha acabado há muito. Preocupação de pais que viam aproximar-se a passos largos o dia em que os filhos seriam chamados às fileiras."