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Caneta da Escrita

Temas diversos, Crónicas, Excerto dos meus Livros.

Temas diversos, Crónicas, Excerto dos meus Livros.


31.01.16

 

Milhares de alunos acotovelavam-se, empurravam-se,
na ânsia de ser os primeiros a entrar nas salas,
querendo ocupar as carteiras de uma escola,
que bem poderia vir a ser a sua,
o exame de admissão aos liceus, após a quarta classe.
E eu entre eles, um no meio de milhares,
mesmo juntinho à porta do hall de entrada,
empurrado, amarfanhado na luxúria da entrada,
pela primeira vez experimentando aquelas carteiras,
de um ensino superior ao que iam deixar,
o sonho de se sentarem nas novas salas de aula.
E de tal forma era a exigência da pressa que,
incauto e ansioso me predispus ao perigo,
logo ali, empurrado pela chusma me senti impelido,
e sem que nada o fizesse supor acabei vítima,
e do enorme vidro da porta, que se estilhaçou ao meu contacto,
tenho a recordação desse ano de,
já não estou bem certo, 1960 ou 1961,
do liceu Salvador Correia de Sá e Benevides,
que jamais será apagada,
de uma marca no joelho, uma cicatriz,
que a vida ali deixou para que me recordasse,
da maravilha que era fazer o exame de admissão aos liceus.

 


17.01.16

 

 

 

Queria escrever qualquer coisa hoje como, aliás, o faço quase diariamente.

 

Procurei, vasculhei, mexi nas ideias, e tudo o que encontrei me desgostou, por isso hoje não escrevo. Hoje remeto-me ao silêncio da minha indignação.

 

E porque estarei indignado se até vivo num país paradisíaco? Mas estou, tenho direito à minha indignação e não é só por ter direito que o estou, estou por várias razões, todas com o mesmo fio de orientação.

 

A indignação começa a afrontar-me logo que inicio a leitura das notícias sobre o mundo e, especialmente quando me detenho nas que dizem respeito a este país.

 

Estou indignado por nos terem arrastado até ao precipício de onde só nos falta mesmo saltar.

 

Estou indignado porque quase quarenta anos de democracia fizeram ressaltar o que de pior havia neste povo, o oportunismo da xico-espertice.

 

Estou indignado porque por que em cada notícia vejo mais uma golpada, mais uma baixeza, mais um roubo aos portugueses.

 

Estou indignado, e tenho muitas razões.

 

Por isso hoje me remeto ao silêncio, ao silêncio da minha indignação.

 

O mundo está mal, o país está pior.

 

Vou ouvir música.

 


10.01.16

 

 

 

Abro o jornal e vejo o que não queria ver.

 

Abro o jornal e leio o que não queria ler.

 

Abro o jornal e espanto-me com o que não queria espantar-me.

 

Abro o jornal e desperto para uma realidade para que não queria despertar.

 

Abro o jornal e deparo-me com a mais insultuosa degradação.

 

Abro o jornal e vejo a mentira em que não queria acreditar.

 

Abro o jornal e descubro ao que a insensatez nos levou.

 

Abro o jornal e vejo a fome que não queria ver.

 

Abro o jornal e não acredito no que vejo.

 

Abro o jornal e pergunto-me como foi possível.

 

Abro o jornal e questiono-me sobre este sofrimento.

 

Abro o jornal e pergunto porquê as crianças?

 

Abro o jornal e pergunto porquê os adultos?

 

Abro o jornal e fico sem palavras.

 

Abro o jornal e choro o que não queria chorar.

 

Abro o jornal e uma lágrima cai na página.

 

Abro o jornal e fecho-o sem mais ler.

 

Este povo, esta gente, estas crianças e os seus familiares estão com fome e as escolas, agora, servem para colmatar esta grave falha da sociedade.

 

 

Luis Filipe Carvalho


08.01.16

 

 

Abro o quadradinho que nos liga ao mundo que nos rodeia, mundo pequeno, só entre nós, portugueses que, para saber o que se passa no outro mundo maior, o MUNDO, tenho de sintonizar outra estação e, por acaso, ou se calhar obedecendo a algum comando que me domina o subconsciente, sintonizo a TVE.

Esta estação dá-nos efectivamente um panorama do que se passa pelo resto do mundo que não conseguimos ver na nossa, falta de verbas concerteza, tudo o que de mal se passa neste país pode ser considerado como resultante da falta de verbas que por sinal não faltam para outras coisas menos importantes e, até, mais gastadoras.

Mas, o que me trás aqui, “com uma lágrima ao canto do olho”, prende-se com algo que considero muito mais vasto, muito mais importante, muito mais interessante apesar deste aparente anacronismo entre opções do que é ou não mais importante.

Ouvimos com frequência tecer várias considerações sobre o que se passa no país e sobretudo o que se passa com a segurança social que começa a ser insustentável nos moldes em que funciona e nas perspectivas que se apresentam para o futuro mais próximo.

A perspectiva da idade de morte está mais longe, parafraseando a perspectiva de vida que soa melhor e menos agressiva, mas que no fundo é o que pretendem dizer, morre-se mais tarde. Bem gostariam que essa parcela de cidadãos que, depois de anos a dar o seu contributo para virem a ter uma velhice digna, assim que se reformam morressem. Poupava-se muito dinheiro com as miseráveis pensões que a segurança social lhes paga. Mas, por incrível que pareça, eles teimam em manter-se vivos por mais alguns anos recebendo uma pequena parte de tanto do que deram, teimosos é o que são.

Na verdade, o que se passa é que os portugueses deram em ter menos filhos e, assim, atrapalham as contas da tradicional regeneração do tecido social por não se renovarem as gerações com a rapidez necessária a manter o financiamento da segurança social sempre abastecido de dinheiro fresco.

Vai daí o que é que os governos deviam fazer, na minha modesta opinião de quem olha para o mundo civilizado e vê como funciona, deviam proteger as famílias, o cerne, a célula primária de qualquer sociedade. A verdade é que o que vemos é a perfeita negação do que acabo de descrever como princípio a não abandonar mesmo quando as várias crises nos batem à porta. Não ajudam, não apoiam e pelos exemplos que temos acho que até querem exterminá-las.

Vai longa a retórica, porque queria ter uma introdução e porque a tal “lágrima não me sai do canto do olho” enquanto escrevo isto com tristeza, com desilusão e, porque não dizê-lo, com raiva.

Na verdade, tudo começou quando vi, no tal quadradinho, uma mãe que queria ter um filho e não podia, como tal fazia tratamentos para o conseguir ou pelo menos tentar. Todos sabemos que estes tratamentos são difíceis, prolongados e nem sempre resultam, mas temos de tentar que tenham um fim feliz, ou seja, que dêem origem a mais um cidadão desta república.

Pois esta mãe, como centenas de outras ou até, talvez, milhares não vai poder continuar a ter os seus tratamentos porque o estado, que somos nós e votámos em alguém que nos representa lhes nega essa oportunidade por motivos orçamentais.

Orçamentais, ouviram bem? Por uma questão de custos.

Reduz-se a possibilidade dos cidadãos que o necessitam, e se o querem é porque amam as crianças que querem ter e se sacrificam para que isso seja uma realidade, e que têm o direito de o querer, dizia eu que se reduz essa possibilidade para redução da despesa.

É triste, é muito triste mesmo, é surreal e até, nestes casos, uma violência gratuita feita em nosso nome que os colocámos no poder para gerir o país, o nosso país não o deles.

É muito mais grave quando as pessoas já se encontram a meio de um tratamento e este se interrompe porque o Ministério da Saúde resolve informar que não paga os tratamentos, “tenho uma lágrima no canto do olho” ao pensar como se sentem estas ex-futuras mães. Que violência para um estado que se diz preocupado com a questão social do país em que vivemos.

Depois disto lembrei-me da questão dos médicos, já se esqueceram? Eu não. Sou como os elefantes, trombudo sempre que é preciso e com uma memória, bem, uma memória de elefante. Os médicos, ou antes, os cursos de medicina, há uns anos foram impedidos de aceitar mais alunos com a simples desculpa de que no futuro não haveria emprego para todos. Pois bem o futuro daquela altura já é hoje e como resultado de tão tresloucadas medidas somos obrigados agora a importar médicos de vários países desde Espanha até, imaginem, Cuba.

Hoje, com estas medidas contra os tratamentos para a gravidez passa-se o mesmo. Poupamos nos tratamentos para se reduzir custos, no futuro, estamos hipotecados, não por dívidas, não por falta de dinheiro, mas por falta de quem produza para pagar as devidas que se vêm acumulando há quase quarenta anos.

E, no entanto, tudo se reduz a custos do presente que se tornarão muito maiores num futuro próximo. E porque é que eu “tenho uma lágrima no canto do olho”? Porque não vejo a mesma preocupação na redução de custos quando se trata do bem-estar de gente como a que colocámos no poder e que agora não o quer largar de modo nenhum. Não vejo preocupação com a redução de custo nas despesas administrativas dos vários ministérios, das empresas públicas, do monstro que virá a ser a questão das parcerias público-privadas e que já são um sorvedouro e sobretudo, basta uma olhadela, no orçamento da assembleia da república. É afrontoso.

Por tudo isto eu tenho “uma lágrima no canto do olho”, mas temo que se esteja a alargar ao outro e de repente pode transformar-se num rio de lágrimas.

Boa tarde, boa noite, consoante.

 

 

Luis Filipe Carvalho


04.01.16

 

 

Como é possível que de um simples pau, um pedaço de madeira, se retirem sonhos de criança.

 

Parece impossível, mas é verdade, muito verdade mesmo e eu posso testemunhá-lo.

 

Vivi intensamente o período da meninice, sem problemas, sem vergonhas, descalço e muitas vezes rotinho também, apanhando uma surrita de vez em quando, senão nem tinha graça, e até bebia água da mangueira do quintal.

 

Mas os sonhos, os sonhos, esses eram impregnados das coisas mais maravilhosas que o nosso mundo, pequenino, nos podia oferecer.

 

Oferecia-nos a possibilidade de, mesmo sem nada ter de especial, construirmos todos os castelos que quiséssemos.

 

E nós construíamos.

 

Um dia, autênticos ases do volante, correndo pelas pistas fora como verdadeiros campeões ou conduzindo camiões em perigosas estradas cerradas pelo mato que teimava em cobri-las a cada curva da estrada.

 

Outro dia, podíamos ser uns audazes pilotos de avião criando anéis de fumo nos céus da nossa infância.

 

Outros ainda, embarcados nos nossos veleiros, corríamos os mares da imaginação tão leves e velozes como os pássaros, utilizando, já se vê, as poças de água da chuva.

 

Pois é, e tudo isso feito a partir de um pedaço de madeira, de um pau, feito com as nossas próprias mãos a partir da nossa imaginação, inacreditável.

 

Quando nos decidíamos por perigosas caçadas pela selva dentro, era ver-nos, armados até aos dentes sem falhar os mais pequenos detalhes.

 

Fisgas na mão e os bolsos cheios de pedrinhas de “burgau”, o armamento predilecto e também o possível.

 

Nestas alturas o pedaço de madeira, o tal pau, também vinha em nosso auxílio criando, pela prodigiosa imaginação que nos animava, gaiolas de encantar para aprisionar as nossas presas.

 

Eram gaiolas de um andar, de dois andares com varandas, com terraços, enfim, até onde a imaginação nos permitisse chegar.

 

Chegando a tardinha, depois de fartos almoços de gajajas e maçãs da índia com umas manguitas pelo meio, que isto da caça grossa dava cá uma larica, lá regressávamos a casa.

 

No caminho de regresso começavam as preocupações e a arquitectarem-se desculpas para o desaparecimento durante todo o dia, também, o ralhete morria no próprio dia e logo a seguir vinha outro dia de aventura.

 

Mas o pior era a inspecção, pois então, como na tropa, a inspecção era obrigatória e porquê? Por causa das matacanhas ou bitacaias, como lhes queiram chamar. Sempre achei que matacanhas era um nome perfeito para aquilo que nos faziam passar para as retirar de entre as unhas dos pés.

 

Já sei, descobriram do que estou a falar.

 

Pois então o BORDÃO.

 

Pedaço de maravilha da natureza só encontrado em terras de África. Criado pela natureza exclusivamente para alegrar a meninada, excelente pedaço de madeira, o pauzinho dos sonhos.

 

Com ele podíamos ser o que quiséssemos, com ele podíamos correr mundo.

 

Grande pau, grandes sonhos, belíssimas brincadeiras.

 

Uma infância feliz.

 

 

Luis Filipe Carvalho

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