Abro o quadradinho que nos liga ao mundo que nos rodeia, mundo pequeno, só entre nós, portugueses que, para saber o que se passa no outro mundo maior, o MUNDO, tenho de sintonizar outra estação e, por acaso, ou se calhar obedecendo a algum comando que me domina o subconsciente, sintonizo a TVE.
Esta estação dá-nos efectivamente um panorama do que se passa pelo resto do mundo que não conseguimos ver na nossa, falta de verbas concerteza, tudo o que de mal se passa neste país pode ser considerado como resultante da falta de verbas que por sinal não faltam para outras coisas menos importantes e, até, mais gastadoras.
Mas, o que me trás aqui, “com uma lágrima ao canto do olho”, prende-se com algo que considero muito mais vasto, muito mais importante, muito mais interessante apesar deste aparente anacronismo entre opções do que é ou não mais importante.
Ouvimos com frequência tecer várias considerações sobre o que se passa no país e sobretudo o que se passa com a segurança social que começa a ser insustentável nos moldes em que funciona e nas perspectivas que se apresentam para o futuro mais próximo.
A perspectiva da idade de morte está mais longe, parafraseando a perspectiva de vida que soa melhor e menos agressiva, mas que no fundo é o que pretendem dizer, morre-se mais tarde. Bem gostariam que essa parcela de cidadãos que, depois de anos a dar o seu contributo para virem a ter uma velhice digna, assim que se reformam morressem. Poupava-se muito dinheiro com as miseráveis pensões que a segurança social lhes paga. Mas, por incrível que pareça, eles teimam em manter-se vivos por mais alguns anos recebendo uma pequena parte de tanto do que deram, teimosos é o que são.
Na verdade, o que se passa é que os portugueses deram em ter menos filhos e, assim, atrapalham as contas da tradicional regeneração do tecido social por não se renovarem as gerações com a rapidez necessária a manter o financiamento da segurança social sempre abastecido de dinheiro fresco.
Vai daí o que é que os governos deviam fazer, na minha modesta opinião de quem olha para o mundo civilizado e vê como funciona, deviam proteger as famílias, o cerne, a célula primária de qualquer sociedade. A verdade é que o que vemos é a perfeita negação do que acabo de descrever como princípio a não abandonar mesmo quando as várias crises nos batem à porta. Não ajudam, não apoiam e pelos exemplos que temos acho que até querem exterminá-las.
Vai longa a retórica, porque queria ter uma introdução e porque a tal “lágrima não me sai do canto do olho” enquanto escrevo isto com tristeza, com desilusão e, porque não dizê-lo, com raiva.
Na verdade, tudo começou quando vi, no tal quadradinho, uma mãe que queria ter um filho e não podia, como tal fazia tratamentos para o conseguir ou pelo menos tentar. Todos sabemos que estes tratamentos são difíceis, prolongados e nem sempre resultam, mas temos de tentar que tenham um fim feliz, ou seja, que dêem origem a mais um cidadão desta república.
Pois esta mãe, como centenas de outras ou até, talvez, milhares não vai poder continuar a ter os seus tratamentos porque o estado, que somos nós e votámos em alguém que nos representa lhes nega essa oportunidade por motivos orçamentais.
Orçamentais, ouviram bem? Por uma questão de custos.
Reduz-se a possibilidade dos cidadãos que o necessitam, e se o querem é porque amam as crianças que querem ter e se sacrificam para que isso seja uma realidade, e que têm o direito de o querer, dizia eu que se reduz essa possibilidade para redução da despesa.
É triste, é muito triste mesmo, é surreal e até, nestes casos, uma violência gratuita feita em nosso nome que os colocámos no poder para gerir o país, o nosso país não o deles.
É muito mais grave quando as pessoas já se encontram a meio de um tratamento e este se interrompe porque o Ministério da Saúde resolve informar que não paga os tratamentos, “tenho uma lágrima no canto do olho” ao pensar como se sentem estas ex-futuras mães. Que violência para um estado que se diz preocupado com a questão social do país em que vivemos.
Depois disto lembrei-me da questão dos médicos, já se esqueceram? Eu não. Sou como os elefantes, trombudo sempre que é preciso e com uma memória, bem, uma memória de elefante. Os médicos, ou antes, os cursos de medicina, há uns anos foram impedidos de aceitar mais alunos com a simples desculpa de que no futuro não haveria emprego para todos. Pois bem o futuro daquela altura já é hoje e como resultado de tão tresloucadas medidas somos obrigados agora a importar médicos de vários países desde Espanha até, imaginem, Cuba.
Hoje, com estas medidas contra os tratamentos para a gravidez passa-se o mesmo. Poupamos nos tratamentos para se reduzir custos, no futuro, estamos hipotecados, não por dívidas, não por falta de dinheiro, mas por falta de quem produza para pagar as devidas que se vêm acumulando há quase quarenta anos.
E, no entanto, tudo se reduz a custos do presente que se tornarão muito maiores num futuro próximo. E porque é que eu “tenho uma lágrima no canto do olho”? Porque não vejo a mesma preocupação na redução de custos quando se trata do bem-estar de gente como a que colocámos no poder e que agora não o quer largar de modo nenhum. Não vejo preocupação com a redução de custo nas despesas administrativas dos vários ministérios, das empresas públicas, do monstro que virá a ser a questão das parcerias público-privadas e que já são um sorvedouro e sobretudo, basta uma olhadela, no orçamento da assembleia da república. É afrontoso.
Por tudo isto eu tenho “uma lágrima no canto do olho”, mas temo que se esteja a alargar ao outro e de repente pode transformar-se num rio de lágrimas.
Boa tarde, boa noite, consoante.
Luis Filipe Carvalho