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Caneta da Escrita

Temas diversos, Crónicas, Excerto dos meus Livros.

Temas diversos, Crónicas, Excerto dos meus Livros.


31.10.13

 

Não, não estamos assim tão longe.

 

Basta verificarmos como se viveu, e como se vive, e o que se passa neste país à beira mar plantado para rapidamente verificarmos que de facto não estamos assim tão longe ou que pelo menos da lonjura se fez aproximação.

 

Como vivemos? O que comemos? De que gostamos?

 

Vivemos melhor, é certo, desde a adesão à EU, mas e antes disso? Não era assim tão bom.

 

Ainda tenho memória das aldeias em que a casa era uma única divisão e na outra, se calhar a melhor, estavam os animais.

 

Então qual era a diferença?

 

Noutro exemplo, podemos verificar que essas e outras casas dispunham de uma zona onde se fazia uma fogueira para preparar a janta e simultaneamente aquecer o ambiente.

 

Então qual era a diferença?

 

Até aqui não encontro nenhuma diferença, excepto que estes aspectos, referidos, estavam situados na Europa e a comparação que faço é com África.

 

Em África também era assim, uma só divisão onde se acomodava a família toda e uma fogueira para preparar a janta, só que os animais ficavam no cercado, talvez porque o clima era diferente, mais quente, mais acolhedor.

 

Outra diferença encontrada, na Europa as gentes tinham a pele clara, em África tinham-na escura, talvez por causa do clima, mais quente e consequentemente obrigando a corrigir as tonalidades da pele para o suportar ou não fosse a humanidade descendente de África.

 

No mais, o que encontramos? Gente, pessoas, com anseios, necessidades, famílias, com animais, enfim, semelhantes em tudo mais.

 

Muitas fogueiras se faziam no exterior da habitação, em África, para aquecer nas noites de cacimbo ou preparar algum quitute.

 

Muitas fogueiras de carvão se fazem na Europa, mais especificamente em Portugal, não para aquecer, que as fazem no verão, mas para assar sardinhas ou outros acepipes.

 

Então qual era a diferença?

 

A sensação de liberdade que se vivia num país cujo horizonte geográfico, só até meio, nos levariam de Lisboa a Madrid.

 

É diferente não é? Nada paga nem apaga esta sensação.

 

Com estas subtis diferenças, facilmente verificamos a enorme transformação ocorrida em Portugal na pós-revolução e com a chegada daqueles que tiveram o privilégio de se cruzar com as culturas dos seus ancestrais.

 

Desde logo passou a haver uma ampla oferta de churrasco no carvão, picante como deve ser, o “gindungo” passou a ser um must para os que não o conheciam e depressa lhe sentiram o sabor a puxar mais uma imperialzita.

 

Os restaurantes que ofereciam comida africana rapidamente emergiram nos locais mais recônditos, até nas vetustas vielas agora transformadas em espaços africanos e de gentes de África, fazendo lembrar o que a história nos conta da áurea época dos descobrimentos em que Lisboa se havia transformado de gentes e de cheiros.

 

A oferta frutífera disparou para exemplares nunca dantes encontrados e agora exigidos em todas as mesas que se prezam, ela são mangas, tamarindos, cocos, papaia, enfim um sem número de novos sabores assaltou este recanto dando-lhe a conhecer um pouco do paraíso.

 

As praias desta terra, as praias pouco frequentadas, que logo passaram a ter uma corrente de gente que já não passava sem elas e que na sua largueza de horizontes arrastaram outras que acabaram também por aderir a esta vontade.

 

Não estamos assim tão longe, na verdade estamos muito perto mesmo.

 

Como tal, umas ostrinhas na brasa na Samba, acabadinhas de apanhar, ou umas sardinhas na brasa em Lisboa, das pequeninas, não nos diferenciam assim tanto, pelo contrário, aproximam-nos. 


29.10.13

 

Destacou-se na imensidão do azul do céu. Grande, enorme, mesmo vista de perto mas, àquela distância, mais parecia um dos muitos habitantes do local, um pombo como outro qualquer.

 

No entanto, ia crescendo a olhos vistos cada vez que mais se aproximava, fixou um alvo, um velho poste abandonado faz tempo, mantido no seu lugar pela força da gravidade, que a EDP, que ali o colocara, nada queria saber dele.

 

Fez um voo rasante ao dito, volteou, voltou a rasar o poste, subiu nos céus e pairou por momentos no ar como que apreciando a solidez do alvo que destacara como seu.

 

Duas, três voltas no ar, repentinamente mergulha furiosamente em direcção a ele. Para aí a dois metros do cimo do poste faz uma travagem brusca, daquelas que só as aves sabem fazer, dobra as asas e bate-as devagarinho. Estende as patas e finalmente e em segurança pousa no cimo do poste.

 

Não tinha outro sítio onde se apoiar senão o espaço mínimo que encimava o dito poste, as suas patas estavam unidas e mal se podiam mexer para qualquer dos lados. Ainda assim, bateu as asas, como a esticá-las de preguiça, estendendo-as ao sol que o banhava abundantemente.

 

Sentia-se no topo do mundo.

 

Um mundo pequeno, certamente, mas enorme e desconhecido para uma pobre gaivota perdida em terra, longe do seu habitat natural.

 

O mar ficara para trás, algures para qualquer lado, não o via mas sentia-lhe o aroma. Sal, peixe e a imensidão da água salgada que habitualmente usava como campo aberto de treino, de voo e como meio de subsistência pois, estes voos rasantes, não eram mais que a prática adquirida nos mergulhos rápidos e rentes à água de onde retirava o peixinho fresco e ainda vivo de que se alimentava.

 

Estava tudo tão mudado que nem acreditava, tinha-se perdido. O que era mais grave ainda, perdera-se para o interior de terra até deixar de ver o mar.

Como iria sair desta enrascada ainda não sabia, mas, se sentia o agridoce sabor do sal que lhe entrava pelas narinas trazido pelo vento, seu amigo destas andanças, conseguiria lá chegar certamente.

 

Espreguiçou as asas uma vez mais, esticou uma, depois a outra, as duas em simultâneo, uma pata, outra, abanou-se vigorosamente. Estava pronta a dar início à marcha de novo.

 

Lançou-se no espaço vazio à sua frente, de cima do poste ao chão havia cerca de cinco metros de distância, a suficiente para ganhar espaço de abertura para o voo. Descaiu ligeiramente, cerca de dois metros depois de se lançar no vazio, bateu vigorosamente as asas e lá foi ela, ainda sem rumo certo mas na direcção de onde lhe vinham os odores marinhos.

 

Os prédios altos assustavam-na e por tal, moveu-se entre eles descendo a rua até ao cruzamento, dir-se-ia que seguia a estrada dos automóveis, mas não, só queria ganhar espaço para alcançar uma maior altura de voo.

 

Umas centenas de metros mais acima e estava salva. Já descortinava os bordos do seu mar, via claramente, cada vez melhor, as ondas batendo na costa.

 

Sentiu-se em casa, livre e aventureira no seu regresso. Afinal não eram todas as gaivotas que se aventuravam a uma incursão tão longe de casa e terra dentro. Voando baixinho mas voando longe.

 

Uma gaivota do seu tempo, uma inovadora, uma empreendedora uma autêntica pioneira no voo em terra. 


29.10.13

"De volta aos seus lugares, silenciosos e atentos, o pio do mocho fez-se ouvir, sinalizando que estava tudo em ordem, voltou a cair o silêncio na chana, não se ouvia nada para além do bater do coração de cada um e a respiração que não estava ainda ofegante, entrecortada aqui e ali por uma pressão maior e nada mais.

De repente Noite Escura sente uma leve comichão no nariz, sabia o que ali vinha, quando isto lhe acontecia era certo e sabido que tinha por trás uma série de espirros que não se podia permitir neste momento. Leva o indicador ao nariz, entre a base do nariz e a parte superior do lábio, esfrega lentamente a base do nariz, foi assim que aprendeu a debelar estes ruídos que poderiam por tudo a perder, aprendeu a técnica, aplicou-a com sucesso no momento mais delicado da operação, a espera. Começa a sentir um alívio, conseguiu debelar a crise sem comprometer a sua e as posições dos companheiros, perigo passado, nada a temer.

Conjectura sobre o medo, aquele sentimento que aterroriza as pessoas mas que, de algum modo, também as transforma em heróis. Como é que as pessoas pensam que eles, por serem uma tropa especial, cheia de pergaminhos de valentia e coragem, com um treino que ia para além do que se podia suportar, não têm medo. Claro que têm, têm medo de ser apanhados desprevenidos, têm medo de não conseguir levar a cabo as missões de que são incumbidos, têm medo de ser apanhados nos tiroteios cruzados, têm medo de ficar deformados para o resto da vida com as armadilhas e granadas a que estão sujeitos quando empreendem as suas acções. Também têm medo sim e, muitas vezes, é esse medo que os lança em correria para a frente inimiga, ébrios de “vencer ou morrer”, porque sabem que o pior que lhes pode acontecer é ficar à espera quando os sinais de combate estão à sua frente. Têm medo como todos os outros."


29.10.13

 

Templos de saber, templos de conhecimento, mas não só, templos de prazer também.

 

Há lá coisa melhor que passear-se por uma boa livraria? Daquelas que até têm um cafezinho para os intervalos ou umas cadeirinhas para desfolhar os livros?

 

Digo-lhes que seria um abuso da minha parte dizer que não há outros prazeres tão prazenteiros, mas também lhes digo que é uma coisa inolvidável.

 

É das melhores coisinhas que se pode arranjar para passar umas boas horinhas sem dar pela sua passagem. E então pegar num livro, sentir-lhe o peso, saber que estão ali horas de escrita criativa, pensada, repensada e muitas vezes revisionada tantas vezes que acaba por ter, relativamente ao originalmente escrito, uma fluência completamente diferente.

 

Ah! Os livros, os livros.

 

Os livros que nos encantam, os livros que nos alegram, os livros que nos ensinam, os livros que nos deixam felizes e também os livros que nos emocionam, os livros que nos entristecem e até os livros que não têm qualquer interesse para nós.

 

Tenho para mim que é um dos melhores passeios, o que eu chamo passear pelos livros, andar entre eles, desejar possuí-los todos, ainda que seja impossível, mas o desejo existe.

 

Faço uma primeira abordagem pelas montras, entro e dirijo-me ao escaparate das novidades, desfolha aqui pego naquele, aprecio o autor, o próprio título e leio a contracapa, um pequeno resumo da estória e logo ali imagino o enredo. Passo-lhe as mãos pela capa, sinto as folhas, descubro o papel em que são impressos, fecho-os com toco o cuidado e afago-os antes de os arrumar no seu devido lugar.

 

Ah! Como eu gostava de ter estas imaginações, estas capacidades de escrever, estas tempestades de palavras a jorrar da caneta em catadupas, como eu gostava. Havia de escrever para todos e manter o preço do livro baixo, muito baixinho, para que cada um pudesse deliciar-se com o que escrevesse.

Sonhos. Isso era se eu soubesse ou tivesse esse dom da escrita que nos transporta a outros mundos, a galáxias distantes da que vivemos, que nos retira da normalidade da vida para uma outra, esta sim vivida no êxtase da criação.

 

Mas não tenho nada disso. Não sou um escritor, sou um apreciador. Não pensem que é menor, não senhor, sem apreciadores que seria dos livros? A quem seriam vendidos? Quem os escrevia sabendo de antemão que não os liam? Nada disso pode acontecer porque eles são uma companhia imprescindível, é com eles que falamos quando nos sentimos sós, com eles trocamos ideias, neles encontramos amores, amigos e até inimigos.

 

Ah! Os livros, os livros.

 

Dois na mesinha de cabeceira, sempre prontos à leitura da noite, antes que o sono nos encaminhe para outros sonhos. Dois? É verdade, tenho este horrível feitio de ler dois ao mesmo tempo, ou quase, quando um me começa a aborrecer ou a mente me transporta para outro, vá de trocar de leitura e embalar de novo numa nova estória, de tal forma que chego a misturá-las.

 

Onde é que eu li isto? Foi neste ou naquele outro? Pois é, a dúvida instala-se e obriga-me a uma segunda e terceira leitura do mesmo livro, garanto-lhes que é bom. Nisto tudo tenho uma mágoa que ainda não resolvi. Tentei duas vezes ler James Joyce no seu famoso Ulisses e, das duas vezes desisti. Hei-de conseguir um dia chegar ao fim e quem sabe, relê-lo de novo.

 

O que eu leio! Quem me dera ler mais.

 

Na impossibilidade, porque a coisa está preta e não se pode gastar tanto dinheiro em livros, apesar de preferir livros a comida, o que é certo é que também tenho de comer, resta-me, então, ir passeando entre eles e de quando em vez comprar alguns, os eleitos do momento.


28.10.13

 

João perneta é um pirata. Um pirata à moda antiga, com pala na vista esquerda e por isso só via da direita e não muito, a perna esquerda, também decepada algures no tempo e numa qualquer abordagem de navio mercante, foi substituída pela tradicional perna de pau.

 

Nada destes efeitos, quase cinematográficos, de que se poderia dizer que afinal são os perigos da profissão, o afectavam e lá ia andando ou antes mancando da popa à proa da escuna verificando o seu estado, todo o velame e o cordame necessário a todas as manobras do navio.

 

Inspeccionava a marinhagem e as suas tarefas pois não se podia descuidar, um pequeno descuido seria o suficiente para abortar qualquer abordagem de pilhagem aos navios incautos que se lhe atravessassem no cominho, na rota em linguagem do mar.

 

Mas o que mais lhe enchia o ego era o corpo principal da sua escuna, óptima construção, madeiras preciosas das florestas do novo mundo, rija e bem torneada. Uma escuna capaz das maiores proezas nos assaltos e embates em que a comprometia frequentemente e de onde retirava fundos suficientes para levar uma verdadeira vida de pirata. A sua construção foi seguida e supervisionada pessoalmente pelas andanças pelo estaleiro, algures nas Caraíbas, até que finalmente foi lançada à água e benzida convenientemente pelo sacerdote do grupo, sim que também os há piratas.

 

Apesar de pirata, sabia lidar politicamente com os adversários, de quando em vez fazia uma alianças com outros grupos, ajudava outros e até defendia governos e países contra os ataques de outros corsários para manter sempre aberta a porta de escoamento das suas pilhagens e ter um porto seguro para se acolher das tempestades.

 

Não poucas vezes, após intensas batalhas com os saqueados, ferido e com a sua escuna cheia de mazelas e rombos por todo o casco, a meter água e quase a afundar, fora socorrido pelos concorrentes que, não de forma gratuita, mas sempre foram dando a sua ajudinha e apoiando as maiores e mais arriscadas batalhas em que se envolvia.

 

Até um dia. Um dia em que João perneta, exausto de tanta batalha, vencido pelos anos, não pode manter mais a eficiência dos assaltos e pilhagens. Nesse dia, após uma devastadora batalha em que defrontou até alguns grupos de corsários interessados também na mesma pilhagem que ele, quase derrotado, a escuna a necessitar urgentemente de reparação, procurou o abrigo do costume e as ajudas que sempre teve mas nada, ninguém o ajudou, ninguém lhe deu guarida para se recompor. Já anteviam a possibilidade de João perneta não conseguir mais ser o seu protector, ser o pirata que distribuía benesses e fundos por todos os que sempre o apoiaram.

 

Abandoram-no.

 

João perneta, não tinha saída, mesmo os que sempre sobreviveram à sua sombra estavam agora em debandada e se ainda assim não tinha essa certeza, bastou-lhe olhar para os rombos da sua maravilhosa escuna, que tanta gente protegeu e amparou, e ver como os ratos se atropelavam na urgência de a abandonar.

 

Os ratos a abandonar o navio era mau sinal. Era sinal que já se organizavam para procurar outro que os acolhesse, até já tinham em vista uma nova escuna que apareciam agora no horizonte imponente na sua estrutura e no brilho que emanava apesar de, com todos estes adjectivos, não ter um capitão como o João perneta e nem sequer ter entrado ainda em nenhuma das batalhas que lhe granjeou a fama do maior pirata das Caraíbas.

 

Enfim, um pirata novo que queria o lugar de João perneta a toda a força e se vinha armando para o conseguir. Este novo aspirante a capitão da pirataria vinha com novas ideias, com vontades diferentes e até com novos apoios para além dos que conseguiu com os que abandonaram João perneta.

 

Esta é a estória de uma escuna pirata que sulcava os mares em busca de saques e pilhagens e acabou substituída por outra que quer seguiu o mesmo caminho.


28.10.13

 

A globalização dos tempos em que vivemos tem coisas boas, muito boas mesmo, desde logo permite a rapidez de transacções de todos os tipos através do mundo com um mínimo de entraves e com velocidades espantosas.

 

Claro que isto só foi possível pelo desenvolvimento acelerado das comunicações que se baseiam, absolutamente, na tecnologia dos computadores, as quais foram de imediato alavancadas pela enorme utilização que as grandes empresas multinacionais e nomeadamente a banca dela fizeram.

 

Também tem coisas más, vamos perdendo as raízes, as tradições e culturas locais, mas passamos a conhecer de imediato tudo o que se passa no mundo, bom ou mau. Sendo que, o que é mau, parece ganhar mais velocidade na distribuição do seu conhecimento.

 

Sendo assim, podemos afirmar que vivemos numa época em que tudo é permeável e é desta forma que ficamos a saber que houve problemas políticos, expressos na rua, em Itália e que a Grécia não lhe ficou atrás, sendo que aqui foram mesmo mais graves.

 

Espantou-me a violência dos protestos na Grécia, espantou-me a forma como a polícia teve dificuldade de estancar esta situação e mais me espantou a forma como se desenvolveram.

 

Olhando friamente, de longe, verifica-se que começa a despontar uma certa organização dos protestos espontâneos e estes protestos, que foram grandes, obrigaram a polícia a recuar várias vezes. Debaixo do ataque de pedras bastões e lançamento de engenhos incendiários do tipo molotov a polícia defendeu-se o melhor que pode, mas são poucos para a ira popular.

 

E, se um dia deparamos com um protesto altamente organizado, com alguém que o dirija militar e meticulosamente de forma a neutralizar as forças de segurança, o que acontecerá? Pois, estaremos perante o primeiro passo de uma guerra civil que não está longe da nossa vista e imaginação com tudo o que temos visto ultimamente.

 

Ora isto passa-se na EU, num país membro da EU, a mesma que nos tem vindo a pressionar para alterarmos as nossas formas de vida e a maneira como vemos as coisas. Tudo isto a favor dos tais mercados que não ficarão muito bem se algo de grave acontecer. Estão, então, a esticar a corda com a esperança de que não se quebre, e ela aguentará?

 

Tudo isto para chegarmos à conclusão da permeabilidade das coisas no nosso tempo.

 

A crise afectou a Grécia em primeiro lugar e de forma devastadora, a seguir passou para o lado, Espanha, Portugal, Irlanda, Itália, França e por aí fora.

 

Agora são as contestações, começaram na Grécia, em França, na Itália, e vêm por aí abaixo.

 

Esta permeabilidade vai afectar-nos rapidamente, só não sabemos de que forma pois somos conotados como um povo de brandos costumes e até pomos flores no cano das espingardas, mas será sempre assim?

 

Parafraseando o Presidente da República, “o desespero não é bom conselheiro”, mas também disse que “as pessoas em caso de desespero não olham a meios”.

 

Será um vaticínio?

 

Ou será somente uma visão da forma permeável como as coisas passam de um lado para o outro, de um país para o outro.

 

A permeabilidade está intimamente ligada à globalização e esta à crise que assolou os países que ainda dela não saíram.


26.10.13

 

Passei a semana a ver na televisão, nos raros momentos que a frequento, doutas opiniões sobre o porquê e o como se resolver a crise que repentinamente se abateu sobre o país.

 

No entanto ninguém se questiona

 

De onde saíram todas estas opiniões e de onde apareceram todos estes analistas e profundos conhecedores da crise e dos motivos que nos transportaram até ela.

 

No entanto ninguém se questiona

 

Porque só agora apareceram estas vozes conhecedoras do assunto e não antes quando era necessário resolvê-lo sem que fôssemos atirados para a fogueira desta forma.

 

No entanto ninguém se questiona

 

Porque é que, sendo grande parte destas vozes de pessoas que estiveram no governo deste país ou tiveram importantes responsabilidades na sua condução, nos últimos trinta e poucos anos de democracia, não puseram em prática as teorias que agora debitam em quantidades assombrosas.

 

No entanto ninguém se questiona

 

Porque é que esta quantidade de gente, que na sua maioria entrou ao serviço dos vários governos e da máquina do estado, com uma mão à frente e outra atrás, agora fala de cátedra e com ambas as mãos cheias.

 

No entanto ninguém se questiona

 

A lógica de nomeação de gestores para as, então, imensas empresas públicas e agora semi-públicas, onde a mais importante parte do curriculum se limitava a terem sido paridos pelo ventre fértil e fecundo das forças partidárias ditas defensoras da democracia e do povo que as elege.

 

No entanto ninguém se questiona

 

Que a origem de todo este problema possa estar a nível desta gestão ruinosa que conduziu o país à beira do precipício e não na imensa massa de trabalhadores tão injustamente maltratados e acusados de falta de produtividade.

 

No entanto ninguém se questiona

 

A megalomania das grandes obras que são um sugadouro de dinheiro do erário público e em grande parte a origem do desequilíbrio das contas públicas de que só uma minoria irá beneficiar.

 

No entanto ninguém se questiona

 

Que as sucessivas dificuldades da segurança social se encontre no desrespeito de normas elementares de convivência, civismo, solidariedade e vergonha de alguns se aboletarem com reformas milionárias, multiplicadas várias vezes, deixando simples migalhas à grande maioria deste maltratado povo português.

 

No entanto ninguém se questiona

 

Porque a culpa tem de ser sempre dos outros e não nossa.

De uns porque se lhes esbugalharam os olhos de tantas oportunidades e riquezas por explorar de outros porque lhes abrem, sucessivamente, as portas para livremente actuarem.

 

No entanto ninguém se questiona

 

No entanto ninguém se questiona

 

No entanto ninguém se questiona


25.10.13

 

Desde muito novo que me lembro de ler, lia tudo o que podia e me aparecia à frente e não me esqueço que os dias de Natal eram sempre uma altura esperada para receber os mais recentes heróis da nossa leitura de tenra idade, os famosos livros de aventuras de uma colecção em que pontificavam desde o homem da máscara de ferro, passando pelo conde de Monte Cristo e pelo exímio espadachim de França D’Artagnan e os seus célebres e inseparáveis companheiros, os três mosqueteiros, e tantos outros.

 

Ah! Aquilo é que eram leituras, tardes inteiras, pela noite dentro que não havia ainda televisão nem essas modernices de agora que nos retiram todo o tempo para estes prazeres da alma.

 

Mesmo com pouco dinheiro, nada nos parava, éramos verdadeiramente inovadores, como agora se diz, na arte de conseguir novas leituras e livros ainda não escrutinados.

 

Depois de lidos eram cuidadosamente amontoados para as trocas entre outros leitores e finalmente, quando a roda estava toda coberta, recorria-se às célebres rifas de portão de quintal, ainda se lembram? Umas tabuinhas estendidas ao longo do muro do quintal e logo se improvisava uma venda ou uma rifa de livros usados, sempre a preços muito abaixo do custo dos originais mas no conjunto permitindo a aquisição de alguns exemplares novos que voltavam à roda das trocas.  

 

Mas o que melhor simbolizava as esperanças dos tenros anos de idade era, sem dúvida, aquele que simbolizava a luta do bem contra o mal, a luta do opressor contra o oprimido, a luta do arrogante contra o humilde, enfim, a luta do explorador pelo explorado, Robin dos Bosques o grande herói.

 

Foi por me lembrar dele, esta coisa da idade serve-nos, também, para umas recordações da infância que lá vai faz tempo, que me deitei a pensar que nos dias de hoje um Robin dos Bosques fazia muito jeito.

 

Com um pouco de sorte ainda acabava, este Robin dos Bosques, por resolver o problema da dívida pública e satisfazer o reino e os seus vassalos.

 

Claro que nos nossos dias não podia ser um Robin qualquer, já não existem florestas dignas desse nome onde se pudesse acoitar e daí partir para as suas cruzadas contra os ricos e a favor dos mais desprotegidos. Agora, tinha de ser um Robin das Cidades, um autêntico “expert” nas artes das finanças, da economia e, ao mesmo tempo, ligado às raízes que o mantinham atento e vigilante na defesa dos actuais oprimidos.

 

Na realidade não vejo nenhum com estas características mas vejo outros. Vejo alguns que na ânsia de se mostrarem aos seus vassalos deixaram cair no tempo as premissas do verdadeiro Robin dos Bosques e agora encarnam a estória do avesso.

 

Estes não são o Robin dos Bosques meu amigo e companheiro de tantas aventuras em prol dos necessitados do reino. Os novos, também mantêm a luta para abocanhar as riquezas do reino, só que não em prol dos que necessitam mas em seu próprio benefício. Já não roubam os ricos para dar aos pobres, ao contrário, conseguem sacar o máximo aos pobres que têm cada vez menos para dar aos ricos que, coitados, estão a atravessar uma crise económica tremenda que lhes abanou as finanças todas.

 

Por estas e por outras, eu desejo ardentemente o regresso, não à juventude que já não é possível, mas o regresso do meu herói.

 

Ainda que metamorfoseado com as novas vestes da cidade moderna mas, que mantenha o ideal com que sempre me encantou. Que não roube aos pobres, tornando-os mais pobres, mas que tire alguma coisinha aos ricos, sabe-se lá como o conseguiram ser, para distribuir melhor as esmolas evitando estas enormes disparidades.

 

Estas disparidades que cavam um fosso cada vez maior entre ricos e pobres e que, mais tarde ou mais cedo, serão razão de preocupação dos que agora se sentem uns autênticos Príncipe João.


25.10.13

 

Nem tudo é mau, nem tudo são desgraças, nem tudo é motivo de tristeza.

 

Tive conhecimento de um estudo ou inquérito, não sei bem, mas elucidativo de que nem tudo é mau neste recanto.

 

E este assunto era, nem mais nem menos, sobre as mulheres.

 

Pois é. Não pensem agora que lhes vou falar das igualdades ou desigualdades entre os géneros, desde sempre debatidas e com acalorados encontros e discussões sobre o tema.

 

Não senhor, do que eu quero dar testemunho é daquilo que agora veio a público e que nos coloca, entre os países da Europa, num lugar cimeiro.

 

Verdade, verdadinha, somos os maiores neste aspecto, passámos à frente de todos os países desta Europa agora reunida em comunidade económica.

 

As mulheres portuguesas são as mais satisfeitas sexualmente.

 

É bom, sim senhor. Não fiquem agora a pensar que é só obra delas, não é. Eles também têm alguma coisa a ver com o assunto, também são obreiros da coisa, também ajudam alguma coisinha a ganhar o campeonato e como tal também merecem algum aplauso.

 

Finalmente alguma coisa que alegra este país.

 

E mais, estão satisfeitas mas em alguns casos ainda reclamam pois a média de uma vez por semana não é suficientemente motivador.

 

Querem mais, muito mais e muito mais vezes. Grandes mulheres.

 

Quanto a mim, só posso dizer que apoio. Apoio a satisfação e apoio a insistência no aumento da coisa. Mais vezes, muito mais vezes para que a felicidade impere neste país e todos saiam à rua de sorriso nos lábios.


24.10.13

 

Procurou por todos os meios, tentou de várias formas, pediu, humilhou-se, chorou.

 

Nada resolveu, nada conseguiu para, de alguma forma, solucionar o problema. Estava num beco sem saída. Estava, como sempre fora toda a sua vida, só no mundo, só e abandonado por aqueles em quem confiara, se é que a esta relação se podia chamar de confiança.

 

Tinha atrás de si toda uma vida de esforço, de trabalho iniciado ainda de tenra idade. Sempre lutou para ter alguma coisa de diferente na sua vida, uma melhoria que tinha estendido a toda a família, a família que foi perdendo ao longo dos anos e que finalmente se resumia a si próprio.

 

Logo que pode, comprou uma casa, a crédito claro está que nunca ganhara o suficiente para poupanças, através do banco cujo gerente se mostrara muito solicito e até o ajudara na preparação de toda a papelada necessária à obtenção do crédito, que ele, naturalmente daria seguimento apondo o seu favorável parecer. Um pequeno apartamento que, sendo só para si, não precisava de ser muito grande. O suficiente para ter o seu quarto, uma acanhada sala de jantar e um pequeno segundo quarto que lhe servia de escritório e onde se deliciava com algo que tinha vindo a adquirir pela solitária vida afora, a leitura. Gostava de ler e lia tudo o que podia, desde jornais a livros, de escritores e temas dos mais diversos.

 

Sempre fora um bom empregado na empresa, onde já ia com trinta anos de serviço, sem sobressair muito, mas eficaz em todas as tarefas em que se imbuía, de tal modo que frequentemente o requisitavam para as mais complicadas tarefas. Gostava de pensar que aquela empresa também era um pouco sua, pelo peso dos anos e trabalhos que lá depositara.

 

Agora, abatia-se sobre si todo o peso da crise que afectava o mundo e o país em particular.

 

A empresa foi perdendo mercado e clientes pela força da entrada de produtos, vindos não sabia de onde, muito mais baratos que os que a sua podia fabricar. Não tardou, começaram os rumores do aumento das dificuldades, consubstanciados pelo atraso que despontava no pagamento dos ordenados, daí ao início dos despedimentos foi um passo muito curto.

 

Secretamente, mantinha a ilusão de que alguém ficaria na empresa para dar continuidade, embora menor, aos trabalhos que ainda tinham clientes certos, pela qualidade que sempre apresentara e que, se isso acontecesse, certamente ele seria um deles. Quando foi confrontado com o seu despedimento não acreditou, falou com o patrão, explicou-lhe a situação. Que não poderia continuar a pagar a única coisa de que realmente necessitava, a sua casa, que não tinha outros meios de sobrevivência, que a sua idade já não lhe permitia arranjar outro emprego e que apesar disso não obteria a reforma a que tinha direito por ainda não ter atingido o seu limite.

 

Nada adiantou, cansado de o ouvir, o patrão, remete-o para o filho, responsável pelo pessoal, que se houvesse alguma possibilidade o filho, certamente resolveria o problema. Não resolveu, o seu lugar já estava destinado a outra pessoa que iria ganhar um pouco menos que ele ganhava e que até era alguém ainda familiar de um amigo de longa data. Nada a fazer. Estava despedido e sem possibilidades de refazer a sua vida.

 

Esgotaram-se as poucas poupanças que tinha reservado para alguma e inesperada doença. Atrasou-se no pagamento da prestação da casa, apesar de todo o esforço que fazia, chegando a deixar de comer ou a comer nas associações que apoiavam os necessitados. Não conseguiu. Falou com o até aí solicito gerente do banco. Explicou-lhe a situação, comprometeu-se a pagar logo que lhe fosse possível, estava à procura de trabalho, estava difícil de conseguir, mas não se importava, faria qualquer coisa que lhe aparecesse desde que lhe permitisse pagar a casa e não perder a única coisa que tinha para a sua velhice, um tecto. Pediu um adiamento. Não conseguiu nada. Que o banco não era uma casa de misericórdia e se não pagasse seria executada a hipoteca que estava nas mãos do banco. Espantou-se com a mudança de atitude do gerente, nada disse. Saiu de cabeça baixa, matutava na vida e em qualquer possibilidade de sair desta situação.

 

Bateram-lhe à porta, selaram-lhe a casa, puseram-no na rua com a roupa que tinha no corpo.

 

Nada mais havia a fazer. Passou a noite, encolhido de frio, num banco de jardim. Da vida esforçada e dedicada que tinha tido nada restava senão uma centena de euros no bolso que conseguira subtrair à execução judicial.

Durante a noite recordou-se dos tempos em que foi chamado ao serviço militar, à guerra do ultramar como então se dizia. Fora para África, lutara por dois longos anos e regressara diferente, mais calado, mais taciturno mas sempre o mesmo solitário.

 

Na manhã seguinte decidiu-se. Não tinha nada a perder e a vida já não lhe pertencia, tinham-lha tirado sem lhe dar hipóteses de se defender. A crise era a desculpa, mas as injustiças recentes toldaram-lhe o pensamento e a razão.

 

Pensou em adquirir uma pistola para acabar com o que não conseguia suportar, o suicídio era a saída, ali mesmo, no banco do jardim, se bem o pensou melhor o fez.

 

Conseguiu os seus intentos empenhando na tarefa todo o dinheiro que lhe restava. Depois pensou melhor. Se tinha que o fazer ia, pelo menos fazer alguma justiça, a vingança daqueles que o humilharam e o colocaram naquela situação.

 

Foi a casa do patrão, sem dificuldade entrou e dirigiu-se à casa, tocou a campainha e aguardou. A criada abriu a porta e não teve tempo para mais nada. Empurrou-a para o lado, entrou de rompante e dirigiu-se à sala de jantar, conhecia bem a casa pois muitas vezes lhe tinham solicitado alguns trabalhos para ela. Entrou na sala onde a família do patrão jantava alegremente, indiferentes ao seu sofrimento e à crise que alastrava no país, não era para todos pensou.

 

Estupefacto o patrão virou-se e deparou com ele de pistola na mão, tentou argumentar enquanto o filho, branco como a cal da parede se encolhia na cadeira. Dois tiros soaram. Certeiros, um no pai outro no filho. Virou costas e saiu sem dizer palavra. Desapareceu na noite.

 

Ainda não tinha acabado. Manhã cedo dirigiu-se ao banco e aguardou a chegada do gerente. Encostado à esquina do edifício aguardou apalpando a arma no bolso, sentiu-se reconfortado por senti-la ali mesmo à mão.

 

O homem chegou, estacionou o carro, saiu e entro na agência bancária já aberta e em funcionamento. Sem dizer palavra dirigiu-se à secretária onde o gerente estava a despir o casaco, já não conseguiu. Um tiro certeiro na cabeça, caiu para o lado.

 

Calmamente, como se nada se tivesse passado, olhou ao redor, reparou no pavor de dois ou três clientes e do restante pessoal do banco. Sentou-se, retirou o resto das balas da pistola, depositou-a sobre o balcão. Ninguém fez o gesto de a apanhar.

 

Falou pela primeira vez, chamem a polícia, disse, estou cansado, preciso de descansar.

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