25.11.13
"O Branquelas, aquele sacana havia-se passado para o outro lado, o que lhe teria passado pela cabeça? Um branco misturado com aquela gente em ataques e devastações pelo mato fora. Não conseguia compreender, nasceram todos no mesmo bairro, cresceram juntos, tiveram a mesma educação e logo ele, branquinho como a cal da parede, havia de ter esta ideia maluca. O desgosto que deu aos pais nem ele calcula, éramos tão amigos, éramos não, que eu não deixei de o ser, contínuo tão amigo como quando éramos miúdos. A única coisa que peço é que nunca nos encontremos nestas andanças da guerra, sabe-se lá o que aconteceria, qual a reacção de cada um de nós? Não sei se seria capaz de lhe fazer mal e ele? Seria capaz de lhe fazer mal a ele, o Noite Escura da infância deles? Não acreditava mas nunca se sabe, o melhor mesmo era que nunca estivessem frente a frente.
A amizade tem destas coisas, especialmente a amizade de longa data e tão insistentemente cultivada, deixa os amigos preocupados entre si e aqueles dois, cada um de seu lado, mas ambos preocupados com o outro. Raio da guerra que só nos faz mal, vociferou para dentro da sua cabeça. Que seria da amizade entre as nossas famílias se um de nós eliminasse o outro? Não pode acontecer, de maneira nenhuma, isso nunca. Temos de evitar que isso aconteça e o melhor é mesmo não nos encontrarmos por estes matos.
O ruído, o restolhar do capim, recomeçou, agora com mais cuidado, pensou, sentiu-o aproximar-se da sua posição, iam dar de caras com ele. A adrenalina subiu-lhe à cabeça, os músculos retesaram-se, os dedos crisparam-se em volta da arma e no gatilho, pronto a disparar ao menor sinal de perigo. Uns segundos que levaram toda uma eternidade foi o tempo suficiente para perceber claramente que eram homens que estavam a passar mesmo debaixo do seu nariz, não se moveu um milímetro, suspendeu a respiração, os olhos fixaram-se nas movimentações à sua frente, não moveu um único músculo.
Foi ouvindo o restolhar cada vez mais afastado, lentamente foi relaxando os músculos, voltou a respirar, manteve-se atento à direcção que levavam, não os tinham detectado e encaminhavam-se direitinhos para o centro do cerco que haviam montado. Quando atingissem o ponto de não retorno, onde já não podiam recuar pois o cerco fechar-se-ia atrás deles seria, então, o momento de dar o sinal de ataque. Daí para a frente estava tudo nas mãos de Deus, lançar-se-iam ao ataque com a ferocidade que lhes era conhecida e tentariam capturá-los antes de os eliminarem, se se entregassem, se não opusessem nenhuma resistência, seriam simplesmente manietados e devolvidos ao aquartelamento para averiguações. Se o não fizessem, então, a coisa podia ficar feia, tiros de lado a lado e perigo eminente de ser fulminado, até por fogo amigo.
O som do restolhar deixou de ser ouvido, estavam a caminho do centro da área de ataque, a atenção redobrava, dentro em pouco estavam a ouvir o sinal de ataque e não demorou muito. Noite Escura escutou o primeiro pio do mocho, do outro lado da clareira, logo outro e mais outro, todos à volta da zona de operação, tinham atingido o centro e as alas dos emboscados davam o sinal de localização definida e dentro da zona de ataque. Restava-lhes avançar depois de serem lançados os very lights, a área seria suficientemente iluminada para que a captura dos guerrilheiros se processasse em segurança, passavam a ver tudo ou quase tudo."